terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Estados Emocionais I: A prova de Nassif

"Humor não é piada, mas uma ferramenta de sobrevivência" - C.W.Metcalf
Nassif acordou apavorado, era dia de prova, faltou luz e ele já havia perdido quarenta minutos. Com o coração quicando tropeçou no chuveiro e caiu vestido na cozinha onde tomou o café com a mesma mão que abriu a maçaneta do carro. Tudo era tempo e estava tudo indo embora!

Um estado emocional é a parte mais imediata da experiência. Ele influencia, por exemplo, a forma como o Nassif, aí em cima, via a passagem do tempo quando descobriu que teve uma queda de luz na noite anterior àquela prova importantíssima do concurso que ele estava prestando. Na pressa seu foco se restringiu às soluções mais rápidas para diminuir o que ele constatou como o problema mais grave: o tempo que já estava perdido se somando ao tempo que ele estava perdendo naquele minuto!

Ampliação e restrição do foco
Se Nassif tivesse colocado o despertador do celular - como agora estava pensando, dentro do carro, enquanto buzinava - com toda certeza teria tido mais calma para preparar seu café da manhã e não teria comido as maçãs sem mastigar direito nem tomado o café pelando e queimado a língua.

Quanto mais calmo é o estado interno do indivíduo, mais fácil é pensar de forma abrangente, percebendo as nuances do contexto em que estamos inseridos. Quanto mais violento ou intenso é o estado, mais o raciocínio é conturbado e mais energia emocional será descarregada, restringindo o foco ao mínimo
necessário enquanto o que for identificado como "problema" não seja resolvido.

Assim na Terra como no Céu
Muitas vezes queremos crer - até porque é mais cômodo - que nossos estados emocionais são causados por eventos que estão fora de nosso controle, mas em grande parte da nossa vida somos nós mesmos quem criamos esses estados.

O medo, por exemplo, um dos grandes problemas pessoais, sociológicos e políticos da nossa sociedade, existe em sua esmagadora maioria como projeção. Ou ocorre como ansiedade pelo que virá no futuro - "será que vai dar certo?" - ou como receio da repetição do passado - "vai dar tudo errado, aposto!". Mas o medo real, aquele sentido no presente por uma situação de estresse emocional, psicológico ou físico que ocorre no mesmo momento em que o gatilho do medo é acionado é muito mais raro.

Nossos estados emocionais são, em grande parte, uma questão de postura diante do mundo. E a nossa postura, quando assim desejamos, pode ser escolhida, exercitada e modificada. Aí entra o processo de coaching! Identificar um estado mais saudável para a vida do sujeito e caminhar de forma mais estruturada e positiva em direção a ele por meio de uma parceria comprometida com o alcance da meta do cliente.

Capitaneando-se
Assim como nossa "terra interna", nosso corpo, é fonte de algumas das nossas inquietações e do nosso equilíbrio, da mesma forma o "céu externo", as notícias na TV, os acontecimentos diários também nos influenciam. Resta-nos saber qual dos dois nos interessa que tome o comando do leme das nossas impressões e do nosso estado emocional.

Estados e perícias
Nassif estacionou o carro, tateou seu banco traseiro quatro vezes até lembrar que havia colocado seu celular e a caneta esferográfica azul no porta luvas e bateu a porta do carro se espremendo no portão que fechava quando o sinal tocou. Entregou identidade, desligou o celular, achou sua cadeira e recebeu o envelope com a prova. Depois de cair em todas as pegadinhas da prova de português, virou a terceira página da prova ainda pensando que deveria ter anotado a placa do ônibus que fechou o último cruzamento no seu caminho. Suas mãos estavam tremendo e ele achou que fosse ansiedade ou raiva do motorista do ônibus, mas na verdade era a cafeína que caiu praticamente sozinho no estômago. Foi quando o esfíncter de Nassif, aquela válvula final do trato intestinal que decide o que sai e quando sai, lembrou a ele que ele deveria ter ido ao banheiro em casa...

Estados emocionais afetam nossas capacidades. O que nosso amigo está sentindo no parágrafo acima é o que poderíamos denominar como "ansiedade de desempenho" e é muito comum. Aconteceu com a Luísa na sua primeira entrevista de emprego depois de formada e com o amigo dela, músico, na sua primeira audição. Tem acontecido por aí nos estômagos e bocas secas de muitos atores nas suas estreias no teatro também. Nenhum deles é necessariamente incapaz ou incompetente, mas suas "ansiedades de desempenho" podem reduzir sua performance entre vinte a quarenta por cento (20-40%)!

A programação neurolinguística PNL nos diz que, a menos que estejamos lidando com pessoas com deficiências cognitivas, "Não existem pessoas desprovidas de recursos, existem estados internos desprovidos de recursos." (John Grinder). Então o que aconteceria se pudéssemos controlar esses estados?

Estado Emocional e aprendizado
Estados bons para a aprendizagem são a curiosidade, a fascinação, o interesse e a empolgação. Quando as pessoas estão entediadas, desanimadas, ansiosas ou hostis elas aprendem quase nada ou muito pouco, além do fato de que esses estados emocionais influenciam a forma como os dados da experiência externa são "interiorizados" ou "apreendidos". Tendemos a generalizar, omitir e distorcer as informações para que elas confirmem nosso estado de humor do momento e isso, definitivamente, não é aprender.

Os melhores professores são capazes de mudar o estado emocional de seus alunos para bons estados de aprendizagem, despertando a curiosidade e o interesse. Uma boa válvula para esse redirecionamento de foco e energia é o humor. Em geral eles fazem isso estando em bons estados eles mesmos, afinal, estados internos são contagiantes!

Funcionalidade e disfuncionalidade de um Estado Emocional
Antes de mais nada é importante esclarecermos que não existe um estado emocional bom ou ruim em termos de coach, o que existem são estados emocionais funcionais e disfuncionais. Se o Nassif pretende fazer uma boa prova antes de mais nada ele deve admitir "perder" algo em torno de três a cinco segundos para se lembrar de um momento em que ele esteve completamente concentrado no que estava fazendo enquanto estivesse fazendo e, então, internamente, trazer esse estado emocional de atenção, concentração e tranquilidade para aquele momento da prova. Seria o que chamamos de evocação de um estado interno, no caso um estado interno mais funcional para o contexto dele. Seriam no máximo cinco segundos que o impediriam de perder todo o tempo posterior da prova.

Na correnteza emocional
Quando somos "pegos" na correnteza de um estado emocional disfuncional podemos tomar várias atitudes, mas duas delas me parecem congregar as outras opções:
1. Nadar a favor da correnteza vivendo aquele estado emocional intensamente até que ele se esgote - uma postura saudável quando tratamos, por exemplo, de questões como o luto ou a passagem de alguma fase de nossa vida.

ou


2.  Sair daquele "rio", evocar outro estado emocional através de uma música, da mudança de fisiologia (experimente sorrir quando você estiver nervoso e veja o que acontece) ou mesmo de uma lembrança que te traga um estado interno mais funcional para o contexto e para a meta que você se propôs.

Acessando um Estado Emocional
Existem várias técnicas que podemos usar para "entrar" e "sair" de estamos emocionais tais como a Ancoragem, a Linha do Tempo ("Timeline"), o alinhamento de Níveis Neurológicos etc. Mas o que nos importa, no processo do coaching, é respondermos primeiro à pergunta: "Qual o estado emocional mais funcional para a sua meta?" ou "Em que estado interno quero estar para fazer com que isso seja mais fácil?".

E o Nassif?
É a partir deste ponto que o trabalho de coaching com o Nassif começaria, integrando a meta dele com o estado interno mais funcional para a hora da prova. Afinal de contas, se pensarmos bem, ele entrou a tempo e está com a prova na mão, não? Só a cabeça dele é que estava na prova quando ele estava no carro e está no carro agora que ele se levantou da prova para abaixar as calças e sentar no banheiro, onde percebeu que esqueceu as chaves na ignição...

Texto por Renato Kress

2 comentários:

  1. Muito interessante! Informação e bom humor em um texto simples, leve mas com dicas valiosas.
    Obrigada por mais esse, Kress!

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  2. Seu texto é um convite para a percepção pessoal e mudança de atitude.
    Parabéns Xara pelo trabalho.Estou aguardando os próximos textos.

    É sempre um prazer lê-lo.

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