terça-feira, 7 de outubro de 2014

Metacognição e coaching

"Perceber não é experimentar uma infinidade de impressões que trariam com elas lembranças capazes de completá-las; perceber é ver jorrar um sentido imanente de uma constelação de dados, sem o qual nenhum recurso à lembranças é possível."                      - Merleau Ponty

Seus pensamentos potencializam ou limitam seu potencial? Sua maneira de perceber o mundo alavanca ou freia suas metas? Ouvimos sempre sobre a importância da tomada de consciência. Sobre nossos atos, nossos desejos, nossas inquietações sociais, nossos direitos e deveres cívicos, sobre quem somos e sobre o que somos capazes de criar ao nosso redor. Muito do que vimos no último ano, em matéria de convulsões sociais e inquietações políticas têm a ver justamente com o aumento da quantidade de informações circulando e, principalmente, com as formas pelas quais criamos inevitáveis filtros perceptivos para distinguir o que nos traz significado e o que é só "estática" neural, aquele irritante "ruido de fundo" no nosso pensamento. Você já imaginou a capacidade de ação e criação que teria se fosse consciente desse mecanismo? E a capacidade de recriação que um povo teria diante de sua realidade?

Toda nossa consciência depende da nossa percepção, e é esse o tema desse segundo artigo sobre o tema "Percepção" no blog do Coach Quíron. Mais especificamente falaremos sobre os mecanismos da percepção, de como eles funcionam em nós e, principalmente, do quanto podemos ampliar nossas consciências através de um processo bem orientado de coaching.

Perceber
O ato da percepção pressupõe duas coisas: um corpo capaz de perceber e conhecer e uma pessoa consciente de seu corpo e de suas relações com o meio ambiente e que age com uma intenção, um projeto consciente e um objetivo a atingir.

Percepção e orientação
Consciência é, também, um movimento do "olhar interno" em direção a um foco orientado. Talvez por isso sempre tenhamos grande parte de nossos desejos, pensamentos e informações na periferia do olhar, nas sombras do inconsciente.

Nossos receptores sensoriais têm diferentes capacidades, ainda que nossa pele possa perceber a temperatura 360º ao nosso redor, nossos olhos não tem o mesmo ângulo de visão e nossa consciência depende da nossa capacidade de perceber o universo ao nosso redor. Percepção é, também, uma questão de orientação do nosso foco.

Sistema Nervoso, hardware e consciência

O sistema nervoso é um pouco como o "hardware" da consciência. É útil saber como ele funciona para compreender melhor nosso comportamento. Para termos consciência de alguma coisa precisamos ser capazes de fazer uma triagem dos dados sensoriais para em seguida encontrar um sentido para doarmos ao objeto ou situação percebida. Aí sim começamos a utilizar esquemas de regulação, julgamento e triagem (as chamadas "megadiretrizes" e "megacritérios") que mal são conscientes. Basicamente temos uma sucessão de filtros inconscientes fazendo pequenas decisões diariamente dentro de nossas cabeças.

Pesquisa e descoberta
É preciso vasculharmos a periferia do foco, a estrutura que dá base a ele. É nesse momento que a metáfora do "olhar" nos ajuda a compreender o processo. Pense em mudar o foco da sua visão agora, do computador (ou celular) para qualquer coisa à sua frente. Perceba que o computador (ou celular) vai para a periferia do foco. Ou seja: se mudamos nosso foco para a periferia vamos apenas construir uma nova periferia e não ampliar a percepção e agregar a periferia ao nosso foco. Por isso o trabalho, aqui, é corretamente chamado de "expansão" do foco ou "expansão da consciência" e não deslocamento dela. Nesse ponto a inteligência é o nosso "software" do "hardware" neural.

Consciência e Campo Perceptual
A consciência é a síntese de todos os elementos percebidos por nós, ela nos permite dar um sentido à nossa experiência imediata, concreta, e compreendê-la na continuidade de nosso passado e em nossos projetos futuros em função das nossas personalidades, motivações e contextos.

Podemos perceber a importância de uma ideia ou área do conhecimento dentro do meio científico quando várias pessoas reivindicam ter estudado ou criado leituras diferentes para a mesma coisa. Nosso arcabouço perceptivo, por exemplo, o resultado das atividades perceptivas do ser humano, constitui o campo da nossa consciência que podemos denominar como "campo psicológico" (Lewin), "campo perceptual" (Saint-Arnaud), "experiência" (Laing), "campo fenomenal e campo subliminal" (Dixon), e todos esses são só nomes diferentes para o conjunto de fatos de que temos consciência e que determinam nosso comportamento. O fato de ter muitos nomes para o mesmo mecanismo só nos mostra o quanto ele é estudado por diferentes autores e o quanto ele é importante.

A periferia do olhar

O inconsciente, é composto por todos os demais elementos que não são percebidos por nós, mas que, ainda assim, exercem influência em nossas atitudes e condutas. Segundo Garl Gustav Jung, psicólogo suíço, o inconsciente seria constituído por conteúdos primitivos, arcaicos, imaturos e exerceria uma função compensatória em relação às atividades da consciência. O inconsciente funcionaria compensando nossos excessos da consciência, nos levando, por exemplo, a colocar em xeque as nossas ideias conscientes mais absurdas, nos levando a situações de conflito interno que tragam novas decisões e percepções sobre nós mesmos. É por isso que certos temas mitológicos como o "monomito" estudado por Joseph Campbell estão em todas as lendas e mitos em todos os continentes: porque eles fazem parte da estrutura que compõe o funcionamento da psique humana.

Ação e percepção

"O ser humano age, no momento em que age, em função daquilo que ele tem consciência aqui e agora." Esse é o primeiro axioma da teoria de Laing. Ele diz basicamente que agimos de acordo com o que percebemos como sendo a melhor forma possível dentro do quadro da realidade que percebemos.

Alguns de nós vêem uma realidade mais dura, outros mais irônica ou até mesmo divertida e, então, agem de acordo com ela produzindo para si mesmos toda uma série de ferramentas úteis para lidar com o mundo que vêem. Por isso cada um de nós desenvolvemos estratégias e ferramentas diferentes para lidar com o mundo e isso se manifesta na nossa linguagem (discursos diferentes), comportamento (atitudes diferentes no mesmo contexto) e pensamento (ideias diferentes).

Os 4 níveis de consciência
Podemos descrever o campo psicológico com a ajuda de quatro níveis de consciência: a sensação, a percepção, a cognição e a megacognição.

A sensação
O primeiro nível da consciência designa um acontecimento psicológico elementar, determinado pela ativação de modalidades sensoriais. Sua manifestação no organismo é global, imediata e indiferenciada.

A principal função da sensação é reagir e informar o corpo sobre o que se passa tanto no seu interior como no seu exterior. Suas mensagens são fisiológicas: fome, sede, sono, excitação sexual, calor, frio etc. O fato de sentir provoca uma mudança, um desequilíbrio ou um desequilíbrio potencial da estrutura da consciência do sujeito, que o nosso esforço desenvolvido para saber o que se passa ajudará a restabelecer.

A sensação, basicamente, engendra a nossa tomada de consciência sobre alguma coisa.

A percepção 
Já a segunda camada do campo psicológico, a percepção, é um processo que seleciona e organiza os dados sensoriais de maneira a encontrar um sentido neles.

A percepção é uma atividade cognitiva que nos permite captar de imediato, na enorme quantidade de dados proveniente de seu corpo e de seu meio, o sentido que une esses dados e lhes é atribuído. A percepção procura um significado que alinhe os dados dentro de um mesmo campo.

As principais funções da percepção consistem em explorar o meio interno e externo (e sinalizar desequilíbrios), em retratar (consertar) ou configurar os dados sensoriais (figuras, imagens, formas) e preparar a ação (alimentando as funções de antecipação da inteligência.

Segundo o epistemólogo suíço Jean Piaget a percepção não é simples leitura de dados sensoriais. Em vez disso ela compreende uma organização ativa dos dados da consciência em que decisões e pré-inferências se intrometem e atestam a influência das operações intelectuais desenvolvidas. A percepção cria a consciência implícita.

A cognição
A terceira camada da consciência é o conjunto das atividades intelectuais e dos processos que se reportam ao conhecimento e à função que faz com que ele se efetive. O termo cognição significa, simultaneamente, o conhecimento e o processo pelo qual esse conhecimento é adquirido.

Podemos chamar a cognição por vários nomes (todos significam o mesmo processo): "esquema de ação" (Piaget, Neisser), noção, crença, conceito (Changeaux) , conhecimento. Todos esses termos designam a organização dos dados da experiência consciente em um sistema equilibrado de relações interdependentes.

Em outras palavras a cognição é um conhecimento formado de muitos elementos ligados entre si de maneira coerente, como uma rede. Os elementos que adquirem importância para nós se localizam mais próximos aos centros de nossas redes, os menos importantes em nossa "periferia do olhar".

Operações elementais, matemática perceptiva
A cognição é como uma costura de dados na nossa mente. Ela corrige, enriquece e transforma nossa leitura da realidade através de trocas constantes com o meio e de rearranjos internos das nossas crenças, ideias e experiências. São muitas as funções da cognição. Todas elas visam oferecer ao sujeito um sentido para as imagens percebidas, para isso mesmo elas transformam, corrigem, completam, enriquecem, compensam, somam, subtraem, sobrepõem etc.

A crença
Em psicologia cognitiva e em psicologia social utiliza-se frequentemente o termo "crença" para descrever ideias que se têm a respeito de alguém ou de alguma coisa. Mais especificamente uma crença é definida como uma "atitude intelectual de uma pessoa que toma por verdadeiro um enunciado ou um fato sem que haja necessariamente uma prova objetiva ou aceitável para sua atitude" (Bloch, 2002).

Crença é o mesmo que certeza, confiança, convicção, fé. Essas palavras traduzem o conhecimento de um objeto, seja esse objeto uma opinião ("acho que vai chover de noite"), um conhecimento verdadeiro ("dois mais dois são quatro"), ou mesmo um conhecimento não verificável ("creio em Deus", "creio nas urnas eletrônicas").

Crença e carga afetiva
De todo modo esse conhecimento, podendo ser provado ou não, comporta uma carga afetiva, mais forte nos casos em que poderíamos chamar de "fé". Essa carga afetiva, comum à atitude e à crença acerca de um objeto (ou um processo), provém do valor que inspirou essas últimas.

Crenças dão lugar a atitudes, que são predisposições adquiridas para se reagir de maneira positiva ou negativa a um estímulo, de acordo com os sentimentos e as ideias que ele evoca. Muitas pessoas confiam cegamente que políticos, em geral, tendem a ser corruptos, e por isso os criticam. Essas mesmas pessoas, às vezes, confiam cegamente no processo eleitoral, deslocando a carga afetiva do orgulho que poderiam sentir das atitudes de seu candidato para o processo que o elege. Afinal, o orgulho tem de estar em algum lugar! Ainda que racionalmente, no campo puramente intelectual, essa transição não faça o menor sentido, afinal, um meio repleto de pessoas consideradas "corruptas" dificilmente não seria "corrompido", logicamente.

Megacognição: A meta do Coach Quíron
A quarta camada da consciência é justamente a camada que encontra a "periferia do olhar" do nosso foco consciente. É o procedimento mental que consiste em refletir sobre a maneira como pensamos.

Trata-se da capacidade de tomar a seu cargo, de maneira consciente e deliberada, seu próprio funcionamento cognitivo, seu próprio pensamento. Isso significa que a pessoa adquiriu a maturidade necessária para tomar distância e refletir sobre suas próprias atitudes e sobre suas motivações no que respeita suas experiências e as situações problemáticas que deve enfrentar cotidianamente.

A megacognição significa, também, o conhecimento que a pessoa tem de sua eficácia pessoal, de seu estilo e caminhos de percepção, de seus diálogos internos (quando conversamos conosco mesmos, pensando e ponderando) etc.

Megacognição, maturidade e meta
O que mais um processo de coaching pode desejar do que tornar nossos próprios pensamentos objeto de nossa percepção? O que mais podemos querer senão adquirir a maturidade necessária para colocar em xeque nossas certezas e percepções acerca do mundo e, assim, sabermos estar abertos à variabilidade e riqueza do mundo sem cristalizar nossa mente e gerar conflitos e perda de energia desnecessários?

Funções da Megacognição
As principais funções da Megacognição são a introspecção, a autorregulação (ou gestão de si) e a individuação.

O exercício constante da Megacognição - reforçado no processo do Coach Quíron - nos leva à megaconsciência, que se traduz por um nível superior da consciência, que implica o desenvolvimento de uma autonomia do coachee (cliente) no que diz respeito à maneira de pensar e ao sentido que ele quer dar à sua existência como um todo.

Megaconsciência, o grande ganho
O desenvolvimento da megaconsciência permite ao cliente do Coach Quíron tornar-se cada vez mais consciente de suas potencialidades e de seus limites, de seus valores, dos perigos da inconsistência, de desmoronamento de alicerces cognitivos mal estruturados (certezas sem fundamentos) que comporta a vida que ele tem levado, bem como das pressões exercidas pelo progresso da tecnologia e das motivações reais de seus comportamentos.

A megaconsciência, gerada pela constante Megacognição, torna possíveis a autenticidade e a transcendência da pessoa.

Por: Renato Kress
Criador do método Coach Quíron
Coach, antropólogo e cientista político


2 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigado pelo carinho em ler e comentar Aline! Você é sempre muito querida! Ainda vou revisar e acertar algumas partes desse texto, alem de expandir o tema da percepção para outros novos artigos em breve!

      Excluir