terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O Modelo Zeus: meta, foco, fluxo e liderança

Sempre fico pensando em como posso explicar meu "novo" trabalho para as pessoas. Como antropólogo é meio que quase natural gostar de histórias e metáforas e creio que uma forma direta e prática de pensarmos o processo de "coaching" é o trabalho de ampliação e redirecionamento de energia. Quando eu sentava nas cadeiras da PUC-Rio para ouvir o professor Walter Sinder nos contar sobre os Nuer na África do Sul ou sobre as relações de parentesco entre os índios brasileiros minha imaginação voava, e sempre, absolutamente sempre, voltava e revia a sociedade ao meu redor com olhos curiosos, com um incrível e acréscimo de atenção e energia. Era como se fosse um grande catalisador, acelerando meu raciocínio, ampliando minha percepção do que chamamos de "realidade".

A relação entre o cliente e o coach precisa operar dessa maneira, como um catalisador¹, alinhando as metas do cliente com seus valores pessoais. É preciso que haja um fluxo energético saudável, criando a atmosfera perfeita entre as tempestades aéreas da mente do cliente e o seu gatilho para a ação - o raio - que se enraizará na terra, no mundo físico. É através do trabalho, do impacto no mundo físico que criamos, e recriamos, a realidade.


Alavanca da vontade

Tudo o que existe hoje foi criado não só pela ideia, mas principalmente pela insistência, pela força de vontade e insistência ferrenha de pessoas que vieram antes de nós. A grande maioria delas já não está mais nesse plano, mas suas ideias, seus conceitos e pensamentos formam a base do que temos desde os sistemas judiciários a computadores ou tipos de agricultura. Alguém imaginou, outro insistiu e um terceiro fez valer sua força de vontade e, assim, o mundo foi sendo moldado.

De uma certa forma todo o processo de coaching é um pouco firmado sobre esse modelo: determinar o que se deseja (vontade), descobrir o por quê de se desejar aquilo (motivação, primeiro ponto do aumento do nível de energia básica), descobrir o quanto se deseja aquilo (perceber os valores envolvidos, ou o quanto vale aquela mudança para o cliente) e então começar efetivamente o trabalho braçal, a perseverança apaixonada para transformar uma ideia num projeto e um projeto numa realidade palpável.

É preciso desafiar a alma, instigar a fagulha que despertará a descarga para incendiar o ar - dotar o pensamento de finalidade e entusiasmo - e encontrar o caminho, entre as nuvens de nossa percepção, até o solo.

Ajuntar as núvens
No quadro negro da mente, ideias são como núvens
eventualmente elas se acumulam e.... ZAP!
Pensando sob essa óptica imediatamente me vem à mente a figura de Zeus, o todo-poderoso "chefão" do Olimpo, que Homero denominava "o ajuntador de nuvens". Monarca de uma legião gigantesca de divindades, submetido apenas ao poder das Moiras (deusas do Destino, que fiavam a jornada do homem sobre a terra), diplomata habilidoso, pai geralmente equilibrado entre a severidade e o carinho, jurista das contendas dos deuses, representante maior da liderança, da superioridade e muito mais. Em termos de percepção interna a figura de Zeus poderia atuar, em nós, como uma espécie de gestor da nossa consciência e gerenciador da nossa energia.

Por estar na raiz da nossa cultura clássica no Ocidente grande parte das pessoas sabe identificar quem é e quais as características básicas dessa figura do nosso inconsciente coletivo, mas nem todos sabem o caminho que levou o mais novo de uma família de seis irmãos a se tornar o rei e legislador dos deuses. Compreender um pouco sobre essa história é compreender, também, a forma como lidar com a energia arquetípica de Zeus em nosso dia-a-dia.

O Modelo Zeus
Zeus é como um sistema neural: a qualidade da
colaboração entre as ligações vai dar a qualidade
do desenvolvimento do sistema como um todo.
O pai de Zeus, Crono, um deus da geração dos Titãs, teve de castrar seu pai, Úrano, um deus primordial, para se tornar o supremo regente do universo. Obviamente Úrano não ficou muito feliz com o seu divino membro decepado e, na dor excruciante que sentia enquanto o divino sangue jorrava entre suas coxas, amaldiçoou o filho "a repetir o padrão", ou seja, a ser deposto por um de seus próprios filhos.

Crono reinou então sobre seus irmãos e casou com Réa (ou Réia, a "regente"), mas jamais esqueceu a maldição do pai e, com medo de que um de seus filhos o destronasse, engolia todos assim que nasciam. Claro que sua esposa não estava lá muito feliz com isso e, na calada da noite, salvou seu sexto filho, o pequeno bebê Zeus, dando uma pedra enrolada em línguas de animais para Crono engolir.

O pequeno Zeus cresceu cuidado pela vovó Gaia, na ilha de Creta e, quando adolescente, lutou contra o pai e toda a geração dos tios e venceu, tornando-se o poderoso rei dos deuses que nós conhecemos. Mas o mais importante nisso tudo é o modelo da trajetória de Zeus, o mesmo modelo usado como base para as maiores conquistas e manutenção de poderes até hoje no Ocidente.

Trajetória de um líder
Para vencer seu pai e seus tios Zeus teve de distribuir funções e tarefas: procurou dar poder aos seus aliados/irmãos, libertando grupos de deuses oprimidos, os Ciclopes, para que estes forjassem o tridente de controle das marés de Pósidon (ou Posseidon) e o capacete de invisibilidade de Hades, se aliou/casou com a deusa arcaica da Justiça Têmis ao longo da luta contra seus tios e, depois da luta ganha, casou-se pela segunda vez com a deusa Métis, deusa da astúcia e da prudência, que ele engravidou e depois engoliu, assimilando todo o poder e a sabedoria dela e tornando-se, ele, que já era o deus da superioridade (em grego "areté"), no deus da sabedoria ("superioridade" + "prudência" ou "poder"+"astúcia").

Se por um lado ele reforça o poder de seus aliados e os mantém em dívida com ele, por outro ele "fagocita" todo o potencial criativo que lhe seja útil no futuro, assimilando e aprendendo tudo ao redor, inclusive e principalmente tudo aquilo que pode vir a ser uma ameaça a ele mesmo! É exatamente como funciona o sistema capitalista e, também, muitas das nossas mais famosas corporações, não é?

Foco e fluxo
O foco do olhar de Zeus é o foco da nossa percepção e a nossa percepção determina nossas possibilidades de ação. Não é à toa que o animal que o representa na natureza é a águia! Além de ser um dos pouquíssimos animais que podem olhar diretamente para o sol, a águia também consegue ter simultaneamente uma grande visão aérea, uma enorme percepção de contexto e um delimitadíssimo e centradíssimo foco para a caça, para a ação. Compreensão de contexto e ação focada. Não seriam qualidades incríveis para um grande legislador e líder?

Se pensarmos em Zeus como o "foco" da nossa consciência, perceberemos nitidamente um ditado cuja autoria me escapa, mas que ouvi, pela primeira vez, do meu grande mestre Tom Best:

"Energy flows where attention goes"  - "Energia flui para onde a atenção vai"

Brincando com a linguagem, brincando com o foco
É justamente nesse ponto que gostaria de levantar alguns questionamentos, mas antes vamos fazer uma pequena brincadeira. Vou pedir que você pense na primeira imagem que lhe vier à mente quando ler as palavras a seguir e, com cada uma delas em separado, forme uma imagem. Vamos lá?

1. Macaco.
2. Carambola.
3. Extrato de tomate num copo d´água com bolhas.
4. Não correr.

Pólo positivo
Bem, todos temos alguma imagem possível de um macaco. Pode ser que você tenha imaginado um chimpanzé ou um babuíno, um mico ou o próprio King Kong, mas com certeza você não imaginou uma carambola quando estava imaginando um macaco. Da mesma forma se você não se lembrava direito da forma ou da imagem de uma carambola é possível que você tenha procurado por ela na internet.

O extrato de tomate num copo d´água é simples de se imaginar: uma substância conhecida dentro de um formato conhecido. Ainda que não tenhamos o costume de colocar o extrato em um copo é simples imaginar um líquido vermelho e pastoso num recipiente feito para acomodar líquidos. Já quando colocamos bolhas no extrato introduzimos uma relação imaginária, forçando uma imagem que pode vir a corresponder a algo verossímil - se você colocou água com gás no copo, junto com o extrato - ou a algo completamente novo - se você colocou mesmo só bolhas de gás dentro do extrato, com a sua imaginação.

Pensar no "pólo positivo" pode até exigir um pouco mais da sua imaginação - como pensar em um brontossauro lilás com cartola verde dançando como Michael Jackson -, mas não vai te pedir o impossível. O impossível é a área do "pólo negativo".

Pólo negativo
Até aí estamos indo muito bem, obrigado. Pelo menos até chegarmos ao "não correr". O que é "não correr" para você? Para policiais que pedem que um suspeito pare de correr pode significar "ficar parado", para uma professora orientando a saída dos alunos para o recreio pode significar "andem" ou "vão com calma", para trabalhadores nos boxes das corridas de fórmula um pode significar "cuidado onde pisa" ou "faça direito o que tem que ser feito".

Esse é o problema com o "não": eu poderia continuar o exemplo ao infinito. Dançar é uma forma de "não-correr", flutuar no ar em gravidade zero também pode ser "não-correr", enfrentar um desafio diretamente, respeitar os limites de velocidade não é correr. Você percebe a facilidade com que dispersamos (e perdemos) nosso foco e energia quando usamos a negação para começarmos a definir uma ação?

Dispersão: perda de foco
Todo o universo pode ser uma "não-girafa", menos a girafa! E é aí que fica mais engraçado! Afinal, quando eu disse "não-girafa" aposto que você pensou em uma girafa! Provavelmente amarela com manchas laranjas e um pescoção enorme! E é bem
provável que ela esteja ao lado de uma árvore, um carro ou um prédio. Por quê? A nossa consciência trabalha com referenciais, focando, direcionando a energia para a visualização - ainda que seja uma visualização criativa - de algo palpável, cognoscível, conhecido. Por isso quando pensamos em "não-pombo" lá está o pombo e quando pensamos em girafa muitas vezes a árvore está ali do lado, na imagem, para nos dar uma referência de tamanho.

A consciência busca a referência, o conhecido. Agora sim, voltemos aos questionamentos que eu queria propôr:

. Se o nosso foco direciona o fluxo da nossa energia, para onde será que ela vai quando só pensamos em evitar o chefe chato? (Pense em um "não-chefe-chato" e veja a imagem que aparece. Observe se você ouve um "boo" quando a imagem se formar, também!)

. Quantas vezes, na hora de formular nossas metas, de pensar nossos projetos para o futuro, começamos com frases do tipo:

1. Não quero mais essa vida!
2. Quero deixar de fazer sempre as mesmas coisas!
3. Quero fugir desses problemas, isso sim!
4. Não vejo a hora de me afastar dessa situação!
5. Quero tudo, menos esse emprego por mais um ano!

(Cá entre nós essa é mais outra listinha que pode seguir ao infinito, por sinal. Então vamos parar com ela por aqui - salvando nosso tempo e o seu -, mas você pode se divertir à vontade colocando as suas frases mais comuns em relação ao que você "não" quer ou àquilo de que pretende "se afastar".)
A questão é que como a consciência tende a buscar uma experiência conhecida, um referencial familiar e compreensível. Então ela vai acabar voltando para "essa vida", onde você vai fazer "sempre as mesmas coisas", e, naturalmente, tendo os mesmos "problemas", já que está na mesma "situação" e, quando você menos esperar, lá se vai "mais um ano no mesmo emprego"! E, olha só! Era tudo o que você "não" queria!

Interessante, não é? Mas calma, há uma solução simples (e trabalhosa) para curar essa espécie de maldição da negação!

Foco, fluxo, energia, criação
Então que tal começar hoje a pensar no positivo?
E se você focasse sua energia no que realmente quer?
Você pode detalhar isso o mais milimetricamente possível?
O que você vai ver, ouvir, sentir, cheirar ou até degustar quando estiver lá?

Isso te traz prazer, realização, um senso mais alto de propósito?
Isso está de acordo com os seus valores?
Te impulsiona, te desafia e te seduz?
O quanto isso vale para você?
Que tipo de esforço você faria por isso?
O quanto você sacrificaria para ter isso?
O que dentro de você precisaria diminuir - talvez se extinguir - para que isso que você quer, positiva, clara e especificamente, possa nascer na sua vida?
O que você de verdade quer e, mais importante, o quanto você quer?
Isso te atiça a alma?
Isso faz parte do que você quer deixar para o futuro?
Que sensação isso te traz?

Na verdade qualquer uma dessas perguntas que ajudam a todos nós a dimensionar, medir e incentivar em relação às nossas metas só poderia vir depois da primeira. Absolutamente nenhuma delas seria possível, na verdade todo o processo de coaching seria impossível, se você não começasse, desde o início, procurando o melhor possível o que você efetiva e positivamente quer!

Seus sempre soube o que quis! Com um senso apaixonado de seu propósito ele conseguiu criar o jardim para que a deusa Nike (deusa da vitória, representada como uma borboleta) viesse pousar na palma de sua mão.

Responsabilidade e missão
É impossível falarmos da imagem mítica e arquetípica de Zeus sem falarmos no conceito de "consciência". A consciência traz um grande desafio. A partir do momento em que nos tornamos conscientes de algo assumimos a responsabilidade sobre esse algo. Já não podemos agir como crianças inocentes cujas ações precisam ser medidas e validadas por uma autoridade externa. Assumimos o mérito ou a culpa sobre o caminho que tomamos para nos aproximar ou nos afastar desse algo. A consciência é um norte e é o primeiro passo que precisamos para abrir nossas velas e seguir a viagem que ninguém pode fazer por nós. Mas essa já é outra história...


Artigo por Renato Kress

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¹Em química, um catalisador é uma substância que acelera a velocidade de uma reação sem ser consumido no processo.

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