quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Coach e Alquimia (parte 1 de 3)

"O mais importante não é onde estamos,
mas a que rumo nos dirigimos,
para chegar ao porto do paraíso,
às vezes, é preciso navegar a favor do vento
e outras contra,
mas é preciso navegar,
e não ir à deriva sem ancorar."
- Oliver Wendel Holmes


Viagens de descobrimento
Coaching é um processo que implica mudança de um estado de recursos já não mais producente, no que concerne às metas e valores de um indivíduo, em direção a um estado de recursos funcional em relação a essas mesmas metas, orientadas pelos valores e crenças do cliente(coachee). Essencialmente é um processo que sai de um ponto e caminha em direção a outro ponto, é uma viagem onde a maior descoberta possível é a própria autonomia.

Os grandes portos do passado, das grandes cidades-estado da antiguidade, eram demarcados com pilares enormes em cujos altos cumes eram acesas, à noite, tochas. Assim os navios em trânsito noturno poderiam se orientar em direção a esses portos e, também, desviarem-se das rochas, barreiras de corais e outros obstáculos. Esse foi o início dos grandes faróis como o da cidade de Alexandria.

Para efetuarmos qualquer viagem é necessário que saibamos exatamente onde, em quanto tempo e de que maneira queremos chegar. É necessário que estabeleçamos pilares: um local de onde se parte e um local para onde se chega. É também interessante percebermos que, em algum momento, poderemos perder de vista os dois pontos, mas nunca o foco, a percepção profunda acerca de onde se deseja estar.

Pilares
A alquimia árabe de origem sufi considera como fundamentais quatro pilares para chegarmos a termos "controle sobre a realidade". A linguagem cifrada do passado, essa linguagem mágica e recheada de símbolos muitas vezes era apenas uma alegoria para questões mais simples. Acredito, e essa é uma interpretação pessoal, que quando os alquimistas árabes elencavam quatro pilares para o "controle sobre a realidade", eles estavam única e tão somente se referindo aos instrumentos necessários à tomada das rédeas de nossas próprias vidas. Alquimistas têm um carinho especial pelo tema da mudança, da transmutação, e estudaram o tema por milênios, por isso seus conhecimentos e suas conclusões nos interessam aqui.

Seus quatro pilares (arkân, em árabe) são: Vontade, Conhecimento, Poder e Fala.
Vontade: Só através de um ato da Vontade podemos escolher mudar nosso estado atual. Só uma força de Vontade poderosa pode nos manter no curso dessa mudança.

Conhecimento: Só o Conhecimento real do estado onde nos encontramos e do quanto ele já não se adequa às nossas necessidades, crenças e valores é que pode nos fornecer o real Conhecimento de onde queremos chegar. Só o Conhecimento de onde queremos chegar é capaz de nos mover na direção certa num mundo onde o excesso de estímulos gera difusão e perda de energia.

Poder: Energia é justamente o Poder necessário para que nos movamos em direção à nossas metas. Esse Poder é a capacidade de realizar mudanças, inerente a qualquer ser humano. Poder é ter a capacidade de, a energia para, a liberdade para realizarmos algo que nos motiva, que nos move adiante. Em última análise frases como "Deus é poder" nos ajudam a compreender a questão porque o Poder se manifesta como uma divindade, uma vez que você creia, ela existe, uma vez que você não creia, ela não existe. 

Fala: A Fala é o que as religiões compreendem como o "Verbo", um verbo sempre pressupõe uma ação, de forma que a palavra transforma, a Fala, o ato da Fala, transforma o que se está vivendo e pensando, o que se está crendo, o que se está fazendo. O coaching é um processo baseado na fala, porque é um processo de transformação.

Para a escola alquímica sufi, o objetivo do trabalho com esses quatro pilares é chegar ao conhecimento da "unicidade divina", é congregar as energias envolvidas no nosso processo de tornarmo-nos a cada vez mais nós mesmos e assumir o comando sobre elas e sobre nossa vida.

A expericência, pessoal e intransferível
Ibn'Arabi, alquimista autor da obra Alquimia da Felicidade, livro que teria inspirado Dante Alighieri em sua Divina Comédia, nos relata "Conheço a alquimia pelo caminho da revelação intuitiva, e não pelo atalho de um conhecimento aprendido."

Nossa jornada só pode ser operada por nós mesmos. Não há quem a possa efetuar além de quem a deve cursar e é justamente esse trabalho de integração da vida que se leva à vida que se deseja que trata o processo do coaching. É tornarmo-nos o laboratório de nós mesmos.

Laboratório interno
A palavra "laboratório", segundo o estudioso Jean Canteins, deriva de dois vocábulos congregados: Labor ; trabalho, e Oratorium ; local de oração, então podemos compreender a idéia da palavra "laboratório" como sendo o local onde focamos nossa energia sobre o trabalho, o espaço físico onde proporcionamos a nós mesmos integrarmos nosso trabalho voltado à consecussão de nossas metas de forma focada e com total devoção, como quando nos dedicamos a uma religião.

A idéia do laboratório interno dentro do processo do coaching consiste em levar ao cliente(coachee) a compreensão de que ele é o trabalho, de que ele é a meta e que o atingir dessa meta comporta uma mudança, também, no próprio sujeito. Ele passa então a ser, mesmo que em pequeno grau, um novo sujeito, já que imerso num novo contexto: agora ele é o sujeito já sobre o terreno da meta alcançada, de onde um novo arquipélago de novas ilhas-metas se descortinará diante de seus olhos. Para que sejamos saudáveis é necessário que mudemos, que aprendamos, que vivenciemos. A mudança desenfreada é patologia e se manifesta em taquicardias, inquietações, pânico, assim como a inércia é patologia e se manifesta em depressão e outros tantos possíveis interventores externos em nossos planos. Compreender o laboratório interno é compreender que o "ouro alquímico" é uma metáfora para o desenvolvimento da própria autonomia no campo escolhido pelo cliente(coachee).

Fases da alquimia, fases do coaching
A alquimia árabe tradicional faz menção a três processos alquímicos distintos e encadeados como etapas fundamentais do que se considera "A Grande Obra": A obra ao negro (nigredo em latim), a obra ao branco (albedo em latim) e a obra ao vermelho (rubedo em latim).

Nigredo: Aqui nos afastamos do porto anterior, do nosso estado atual insatisfatório, já não mais condizente com nosso grau de compreensão do mundo. Essa fase engloba a preparação para a partida e a partida em direção ao nosso estado desejado. Na nossa metáfora da viagem, é o momento da partida, o mergulho no trabalho constante em direção à nossa meta, início do navegar. 

Albedo: Aqui estamos imersos no oceano caótico do processo em si. Aqui toda a atenção e força necessários para o desenvolvimento do processo do coaching é focado no sujeito, no cliente(coachee), único pilar e certeza possível dentro do processo de mudança. A "obra ao branco" é um estágio intermediário, assim como a prata coloca-se entre os metais inferiores e o ouro. O branco é a síntese de todas as cores, assim é também a obra ao branco, uma integração que prepara-nos para o destino final. Estar no processo é assumir que todas as mudanças são possíveis, e, a partir daí, assumir a autoria pelas mudanças que serão escolhidas para serem efetuadas. Implica uma grande dose de maturidade saber lidar com a liberdade, saber cercear o potencial para que só se desenvolva o que for capaz de se integrar à meta estabelecida. A regra aqui é nunca perder o foco de onde se deseja chegar.

Rubedo: A obra ao vermelho é a etapa final da "transformação da realidade", é colocar os pés sobre a ilha-meta, "tornar-se aquilo que se é" como inscrito no pórtico do oráculo de Delfos, na Grécia. Os chineses compreenderam essa fase com a expressão Tai Chi, que significa "culminação suprema", o fim de um processo, de onde se pode perceber já um impulso para outro. 

O coaching acontece no Albedo. Um bom processo de coaching acontece quando, ao tocar o solo da Rubedo, o cliente(coachee) está sozinho, porque a meta é dele e o pior que pode ocorrer a um processo de coaching é tornar-se uma muleta, ele está mais para uma catapulta ou uma boa embarcação que perde sua utilidade uma vez que já se está onde se queria chegar. 

Afinal, o paraíso está em movimento
Para a alquimia árabe a única possibilidade de um paraíso real seria se ele estivesse em movimento, em constante mudança, afinal, mesmo no céu, poderia haver o risco de enfado e o tédio não é uma das finalidades da existência. Logo: como já postulava o pré-socrático Heráclito, "a vida é movimento". Não há necessidade de temermos a perda de sentido operada quando atingimos uma meta, o sentido se reconstrói, a vida se reconstrói, sob novas bases.


Texto: Renato Kress
Criador do Coach Quíron
Diretor do Instituto ATENA

Nenhum comentário:

Postar um comentário