terça-feira, 11 de março de 2014

Medo e Transformação

"Aquele que teme algo confere a isso poder sobre ele" - Provérbio Árabe

O medo é um dos companheiros mais comuns em nosso cotidiano. Ele está presente não só quando ligamos a TV e não vemos, quase nunca, nenhuma notícia sobre qualquer descoberta científica dos laboratórios brasileiros, mas somente tomadas aéreas de povos indignados que, se estiverem fora do Brasil serão considerados "manifestantes" e, se estiverem dentro serão "vândalos", "baderneiros", "criminosos". O medo nos vendeu nosso último sapato, lembra? Ele era o "último do estoque", segundo aquele vendedor super simpático que não mentiria para nós, claro!

A ameaça e o consumo
O medo nos vendeu muitas respostas. O medo da saúde pública não te deixa atrasar o plano de saúde, o medo da educação pública também coloca no débito automático a mensalidade do colégio dos filhos. Ele está sempre por ali, rodeando, ameaçador. O estado de incerteza e amedrontamento permanente não só cria novos gastos, mas antes de tudo, diminui nossa capacidade de decisão e autonomia.

Medo real e projeção
O que muitas vezes não percebemos é que o medo quase não consegue sobreviver sozinho. Ele precisa da sua irmã, a incerteza. O medo acontece quando você se esquece de um compromisso e recebe a ligação de quem está te esperando, quando nossa atitude é o inverso de nossas palavras exatamente no momento em que somos pegos por nossos filhos, ou pais, ou amigos. O medo real é instantâneo, ele acontece nos "aquis e agoras" da vida.

A faca no nosso pescoço nos dá medo, sem dúvida, a arma na nossa têmpora no trânsito, o dedo do chefe na nossa cara nos constrangendo publicamente no trabalho, as pessoas que amamos no momento em que decidem se afastar de nossas vidas. Esse é o medo. O resto é incerteza.

A irmã mais velha do medo

"Tão pouco do que pode acontecer acontece..." - Salvador Dalí


A incerteza é o medo projetado. Medo da repetição do passado doloroso projetado no presente, medo do imprevisto do futuro, do incerto, do "destino", também projetados no nosso presente. Não duvido de que a maior parte do consumo do mundo seja gerado pela incerteza. A incerteza gera ansiedade e essa vende remédios como ninguém para a indústria farmacêutica, por exemplo!

Medo e meta
Parece simples saber o que se quer, não? Freud diz que grande parte de nossa motivação é inconsciente. É freqüente que se aja (ou melhor, se reaja) sem consciência do que nos motiva. Toda cultura conspira para convencer seus membros a adequar seus desejos ao que é considerado "certo" e "bom". Os bons capitalistas competem e consomem. Os bons comunistas não (teoricamente). A indústria da publicidade baseia-se em premissas muito simples: os seres humanos desejam muitas coisas, mas não sabem exatamente o que os satisfaz. E é bom que não saibam, porque assim é possível usar a propaganda como condutor do foco. O foco leva a energia e a energia desperdiça a si mesma levando, consigo o tempo e o dinheiro. É
Projetar a resposta fora é
arriscar perder-se eternamente.
nesse ponto que ocorre a importância do trabalho do coach: resgatar a autonomia, a consciência e a responsabilidade do indivíduo no gasto desses que, em geral, são identificados pelos meus clientes como nossos recursos mais importantes.

Perda de foco, vida líquida
Grande parte do medo vem do que não se conhece, da ausência de informação e do excesso de tentativas constantes de formação de opiniões. O problema que temos atualmente é que uma cultura gerada para promover o constante consumo de diferentes produtos vai mudar de ideia constantemente sobre o que deve ser comprado e, mais profundamente, pensado. Qual será o melhor critério para comprarmos o sabão em pó? A confiança na marca mais antiga? A inovação da marca mais recente? O preço? A beleza ou a praticidade do design da embalagem? Critérios diferentes levam a soluções diferentes.

A questão é que os critérios externos são mutáveis demais para que possamos confiar plenamente neles, o que leva ao que o sociólogo Richard Sennett denominou como "Corrosão do Caráter". O mesmo argumento que o seu colega polonês, Zygmunt Bauman, critica como uma vida excessivamente "líquida": não somos incentivados, por nossa cultura ocidental, a gerar nossos próprios crivos internos. A escola perdeu gradativamente importância na formação para a vida frente aos exemplos televisionados e aos telejornais difusores de medo. Quanto mais à deriva estivermos no tsunami de estímulos do mundo contemporâneo mais paliativos para a incerteza consumiremos. Um bom processo de coaching se coloca justamente na contracorrente dessa armadilha, procurando ir às raízes das certezas do sujeito (para ver em que se sustentam) e fortalecer o desenvolvimento de um pensamento crítico e, acima de tudo, autônomo acerca de nossas decisões.

Ante-sala da liberdade
O medo nos leva a temer o novo, a arraigarmos nosso ethos (cola social, o que mantém uma sociedade unida) a uma estrutura política decadente. Perguntar-se "o que EU quero de fato?" não é apenas arriscado, é revolucionário! É a ante-sala da liberdade! E a liberdade tem um preço, assim como descobrem os adolescentes quando resolvem morar sozinhos, procurar um emprego, definirem carreiras.

Medo do passado
É perfeitamente compreensível que nossas memórias ásperas possam ser petrificadas dentro de uma personalidade frágil, mas se erigirmos um caráter forte, com base em valores que possam ser defendidos por todos nós, em todos os momentos e lugares, na favela e no asfalto, para o negro e para o branco, para o jovem e para o idoso, mulher e homem, hétero ou homo, se formos capazes de nos tornarmos humanos a esse ponto, quem sabe tenhamos uma sociedade madura o suficiente para enfrentar diretamente os problemas que nós mesmos criamos, ao invés de nos sentirmos tentados a usar, para outros seres humanos, o mesmo mecanismo que usamos para nossos aparelhos digitais: "deu defeito? joga no lixo!".


Maturidade e consciência
Até que ponto de desgaste e destruição do planeta e das sociedades teremos de chegar para percebermos que uma sociedade infantilizada, não socializada para se responsabilizar por suas ações e omissões, uma sociedade viciada em descartar tudo o que não é "imediatamente perfeito" é inviável? É preciso recuperar a maturidade  de responder por nossos próprios atos, de assumir riscos e a responsabilidade por eles, antes que seja tarde demais.

Foco, atitude, heroísmo
Para descobrir o que se deseja, é necessário ter essa espécie madura de coragem. Essa espécie de coragem apta a conviver num mundo plural e a lidar, diariamente, com as diferenças de modos, crenças, usos e saberes. É necessário também que os desvios graves e delitos pequenos sejam punidos, ambos, sempre com uma finalidade pedagógica. Afinal, no dia em que abrirmos completamente mão da finalidade pedagógica nas punições necessárias dentro do processo de socialização estaremos assumindo que punimos para dar uma pós-graduação no crime, alojando pessoas em condições sub-humanas onde o ladrão se torna assassino, o assassino estuprador e o estuprador aprende a assassinar e a esconder o corpo da vítima. Quando deixarmos de tratar pessoas como lixo talvez sejamos melhores do que o nosso "lixo" interno, nossa ira, nossa raiva, nossa intolerância, que aprendemos diariamente a jogar sobre os demais.

Desejos ou metas?
Muitos desejos são fugazes, tal bolhas de sabão têm a consistência de segundos. Só os desejos mais profundos estão conectados às fantasias que persistem e se decantam em metas. Se, diariamente, oito milhões de brasileiros desejam ter um emprego, corresponder ao que tão sabiamente Gonzaguinha colocou na sua obra "Guerreiro Menino": 'e sem o seu trabalho, o homem não tem honra, e sem a sua honra, se morre, se mata', nesse momento esse cidadão brasileiro toca uma profunda intencionalidade do seu ser.
Gonzaguinha,
eterno guerreiro menino

Compreendo que seja mais arriscado entrar em contato com o que se quer realmente do que brincar com vontades passageiras, como as nossas vontades passageiras de projeção das nossas ânsias, insatisfações e frustrações de forma agressiva e desumana sobre a parcela mais pobre da população. É perfeitamente compreensível que se prefira não correr o risco de permitir que nossos verdadeiros desejos aflorem, afinal, tememos conflitos (internos e externos) e, talvez acima de tudo, a profunda tristeza provocada pela consciência dos anos que desperdiçamos nos conformando e nos regulando pelas exigências alheias. Mas que vida não nasceu da dor de um parto? E não será a vida, a real vida, um processo de dores e aprendizados, uma via crucis na jornada de nossas almas?

Direção e gravidade
O quanto de frustração já te
gerou essa expectativa?
O que você quer? Parece simples, mas no nosso mundo de medo difuso o mais provável é respondermos "o que é conveniente que eu queira?" ou "o que se espera que eu queira?". É a partir daí que nos perdemos, porque a partir do momento em que respondemos a essas expectativas externas elas aumentam, como sentimos cada vez mais intensamente a força da gravidade quando nos lançamos em queda livre. Em pouco tempo vivemos uma vida de projeção da nossa identidade e felicidade sobre as expectativas de uma cultura, família, meio social etc.

Pensar autônomo
Há quanto tempo não questionamos a validade de nossos deveres e de nossos valores? Carregamos um fardo de deveres infantis e valores de segunda mão que nos sobrecarrega de culpa e vergonha. Já não seria tempo de reavaliarmos a importância de substituir esses valores por valores mais condizentes com quem somos? De nos livrarmos progressivamente do que Freud chama de neuroses? Todos seremos neuróticos de alguma forma, mas podemos ao menos substituir nossas neuroses por novas, mais condizentes com quem nos tornamos ao longo dos anos, através de nossas experiências.

Talvez nesse caminho percebamos que o mais inútil dos riscos é abandonar o senso do que é certo para perseguir o que é meramente conveniente. E não é essa a mensagem cotidiana da nossa cultura? De que o "certo" é apenas o que for momentaneamente conveniente? Bem, basta olharmos ao redor genuinamente, com os olhos que tínhamos na infância, para vermos que tipo de sociedade estamos tendo. É a melhor possível? Realmente não dá para fazer nada diferente? Precisamos mesmo seguir repetindo padrões de comportamento e pensamento que sequer fomos nós quem criamos?

Inquietações íntimas
Uma maneira de deixar mais objetivos seus valores é imaginar que alguém se dedicou a escrever sua biografia. Se o capítulo final fosse dedicado às contribuições que você fez aos que vivem à sua volta, o que seria escrito nesse capítulo? O que lhe agradaria ver escrito?

Amedronte o meto
Avalie seus medos. Questione-os constantemente. Comece a se aproximar e continue andando, sem pressa, em direção a ele. Em geral o medo não passa de um farol numa praia distante de seu eu desconhecido. Don Juan, de Moliere, diz: "O medo é o primeiro inimigo do homem de conhecimento". Ande na direção de seu medo e cresça com ele. Você verá que, na maioria das vezes, a sensação que você identifica como medo é apenas excitação reprimida pelo início de uma nova fase interior.

Decisão e criação
Enfim, até porque o texto pode estar ficando longo, decida (do latim decidere, "interromper"). Até aqui vínhamos praticando um ludens (um jogo) com alguns fatos, percepções e ideias. Por quê não arriscar uma postura mais significativa diante da vida?

Se você só tem aquilo que vê, questione seus olhos.

Renato Kress
Coach Quíron


Conheça o trabalho do Coach Quíron, marque uma sessão grátis conosco:

Nenhum comentário:

Postar um comentário