quinta-feira, 29 de maio de 2014

Sun Tzu, cases de sucesso, bobagens e erros da auto-ajuda empresarial

Sempre que caminho por entre as livrarias não me furto à oportunidade de vasculhar os livros de programação neurolingüística (pnl), de coaching, de mentoring. Deveria ficar a critério de um bom biblioteconomista mas acredito que fique a cargo dos próprios funcionários a alocação dos livros. Os de pnl e coaching acabam ficando próximos ou mesmo em três seções: auto-ajuda, administração e psicologia. Bem, tanto a pnl quanto o coaching são ótimas ferramentas que podem auxiliar nos três processos: resolução de questões e angústias pessoais, administrar metas e alcançar objetivos e conhecer-se melhor para viver melhor. São áreas correlatas e é saudável que sempre que possível, trabalhem em uníssono.

Observando os livros que ladeiam os de pnl e de coaching pude notar o excesso de livros com 10 passos, 7 passos, 20 hábitos, 30 técnicas etc para ser mais assertivo, próativo, um vendedor de sucesso, um empresário de sucesso, para resolver isso ou aquilo etc e essas publicações me preocupam.

Sistemas Complexos

Me preocupam não porque esses 10 passos, 20 hábitos ou 30 técnicas não sejam funcionais, muitas vezes o são e são muito até! Tudo depende, é claro, da expectativa com que se adquire tais livros e da forma como se lê essas obras. Quem trabalha com teoria social sabe o quão penoso, inglório, injusto e decepcionante é tentar adequar a sociedade a uma teoria sobre essa sociedade. O mais sábio é sempre sacrificar toda ou pelo menos uma parte da teoria e não querer que a realidade se encaixote para caber nesse ou naquele modelo - porque isso nunca acontecerá. Sociedades são sistemas vastos, complexos e dinâmicos demais para caber em qualquer teoria. O mesmo se aplica ao ser humano, o mesmo se aplica aos contextos corporativos.

Uma empresa, seus fornecedores, acionistas, funcionários, atividades, mercado, todos são variáveis em mutação e estão imersos num contingente de variáveis outras que estão fora do controle direto dos seus gerentes, chefes, líderes, RH etc. A utopia do controle é, inclusive, a forma mais simples e comum de boicote. Pense no seu relacionamento atual e aplique a ele uma "fórmula", um "passo-a-passo" que funcionou em outro relacionamento. Pessoas diferentes exigem comportamentos e leituras diferentes e nos forçam a pensar "funcionamentos" diferentes. Ninguém nos livrará do penoso trabalho de pensar, o que podemos fazer é torná-lo mais natural. Exercitando. Saber ler Sun Tzu é encontrar isso ali.

Boa parte dos ensinamentos de Sun Tzu estão contidos no Tao Te Ching (ou "Tao Te King") o chamado "livro das mutações", que resume os princípios básicos do taoísmo. A base é compreender que "tudo está em movimento e mutação perpétua". No Ocidente o que temos de mais próximo a isso é Heráclito, um filósofo anterior a Platão. Vale a leitura tanto quanto a leitura do Sun Tzu.

Indivíduos únicos, circunstâncias únicas

Cada ser humano tem uma representação da realidade diferente. Um pintor sabe muito mais cores e nuances do que o escritor desse texto, com toda certeza. Um cozinheiro conhece muito mais filigranas e teores de sabores que a maior parte de nós. Um índio vive toda a sua vida num ambiente em que nós morreríamos em questão de dias. Seres humanos são diferentes, são frutos de experiências de vida diferentes.

Percepções e pnl

Não me preocupa a intenção do escritor do livro - que elencou um modelo interessante, inteligente talvez mesmo revolucionário de alcançar um determinado objetivo - não me preocupa porque é disso que se trata a pnl, por exemplo. "Modelar", criar um modelo baseado na conduta intrínseca (valores, crenças, identidade) e extrínseca (ambientes, comportamentos, habilidades) de um indivíduo e usar esse modelo para atingir uma performance maior que a que ele atingia anteriormente.

A intenção do leitor

Me preocupa mesmo é a forma como compramos essas obras, como muitas vezes acreditamos sinceramente que a aplicação de um modelo baseado num indivíduo que alcançou um determinado sucesso (suponhamos a criação de um "Modelo Eike Batista" por exemplo) nos faz crer que teremos os mesmos resultados que os alcançados pelo indivíduo modelado. Isso é irreal. As circunstâncias da vida de um Schumacher e o talento de um Schumacher são pessoais e intransferíveis, o que não quer dizer que eu não vá dirigir melhor se "modelar" o Schumacher, com certeza irei. Mas nunca como ele.
O que você espera que
aconteça ao terminar de
ler um livro como esse???

O problema nos livros com 10 passos, 20 hábitos ou 30 técnicas é que muitas vezes o leitor não tem uma meta bem definida (literalmente não sabe o que quer) e, quando chega ao final do livro, tendo aplicado melhor ou pior alguns dos seus preceitos, fica genuinamente decepcionado ao olhar ao redor e não estar efetivamente "no cockpit" ou balançando uma garrafa surrealmente grande de champagne, vestindo um macacão todo tatuado de empresas e ouvindo as pessoas saudando e gritando o nome dele.

Nenhum "case de sucesso" foi criado baseado em outro "case de sucesso"

Quando não temos uma meta bem definida, quando não sabemos o que queremos, nenhum modelo será bom o suficiente, nenhum hábito, nenhuma técnica, nada será eficaz. Mas além disso há também outro fator a ser considerado: a especificidade da realidade à qual aplicamos aquele modelo.

Só sistemas fechados e simples
comportam soluções únicas!
Trabalho com empresas e empresários e muitas vezes ficamos um bom tempo tendo descobertas acerca dos "cases de sucesso". Muitas vezes vejo eles lendo os "cases" como leitores inocentes de auto-ajuda, como se pudessem aplicar, por exemplo, a estratégia da Nike ao problema da Grendene. A Nike tem especificidades, tamanho, estruturas de produção e logística que a Grendene não tem, e as "estratégias" da Nike dificilmente se encaixarão nas metas da Grendene. São ambas empresas do ramo de calçados, mas a semelhança nasce e morre aí.

Um "case de sucesso" deve ser lido para percebermos como uma empresa com problemas utilizou os recursos de que dispunha para resolver a questão ou até para alavancar o seu desenvolvimento através dessa situação, mas nunca com a expectativa de aplicarmos diretamente aquele "case" ao nosso caso particular.

Sun Tzu, no capítulo seis da obra "A Arte da Guerra" diz:
"Todo mundo conhece a forma que resultou em vencedor, porém ninguém conhece a forma que assegura a vitória. Em conseqüência a vitória na guerra não é repetitiva, senão que adapta sua forma continuamente. Determinar as mudanças apropriadas significa não repetir as estratégias prévias para obter a vitória. Para consegui-la, posso adaptar-me desde o princípio a qualquer formação que os adversários possam adotar."
Esse texto, escrito a 2500 anos, já nos alertava para a facilidade em perceber o vencedor depois da batalha vencida: "Todo mundo conhece a forma que resultou em vencedor", e para a impossibilidade de saber uma única forma que resulte na vitória: "...porém ninguém conhece a forma que assegura a vitória.", mas o mais importante é sempre a noção de que a vitória não se dá por modelos vitoriosos - nenhum "case de sucesso" foi baseado inteiramente em outro "case de sucesso" - e sim pela capacidade dos indivíduos envolvidos na tarefa de adaptarem-se às circunstâncias reais dadas no momento da "batalha".

Adaptação e vitória

Não estamos aqui apenas porque soubemos lutar bravamente com paus e pedras de 5000 anos até hoje, estamos aqui porque as situações mudaram e nós soubemos nos adaptar. Falando em adaptação, é bom que ela seja sempre mediada por nossas circunstâncias exteriores e orientada para nossas metas. São os dois focos da nossa atenção "no calor da batalha". Um célebre ocidental que estudou muito aprofundadamente acerca da adaptação, percebeu a importância dessa mesma atenção:

"A atenção é a mais importante de todas as faculdades para o desenvolvimento da inteligência humana." - Charles Darwin

Texto de Renato Kress
Coach Pessoal e Profissional
Antropólogo e Cientista Político (PUC-Rio)
Especialista em Psicologia Analítica (IBMR)

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