quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Fuja do comum tornando ele incomum.

Ordinário significa tudo que está dentro da ordem do dia, o que se faz regularmente, o comum, que se repete e se faz presente a todo instante. Claro que é inevitável que parte de nós busque a repetição, o conhecido, o testado, o conforto da certeza. Ainda mais num universo cultural permeado pela semeadura de dúvidas constantes com a finalidade de nos deixarmos sempre incertos e aptos ao consumo por impulso, aquele que move a hiperprodução regada a obsolescências programadas, como bem colocou o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, ontem.
Mas algo em nós cansa. Parece que algo em nós precisa inflamar a chama do significado, do sentido e essa chama dança, muda de posição, de opinião, de direção. E para conhecê-la e entrar em contato com ela não basta apenas "pensar fora da caixinha". Afinal, se estivermos todos "pensando fora da caixinha", na "zona de ação", e outros mantras do pensamento repetitivo contemporâneo, estaremos todos no mesmo ponto. Se todos pensarem fora da caixinha nada vai ser mais interessante e criativo do que a caixinha, afinal. Lá não estarão todos repetindo o mesmo padrão.
Então pense dentro da caixinha. Depois crie outra caixinha. E outra. E outras. E a cada caixinha dê um nome, uma perspectiva, uma leitura de mundo, uma cultura, um idioma, uma cor, uma frequência, um avatar, um totem, um sonho, um desejo, uma alma. E depois coloque essas caixinhas todas para conversar entre si, para se olharem, para se enamorarem ou de repelirem. Relacione suas caixinhas. Aí então você perceberá que há uma zona, uma área, "fora das caixinhas", mas que ela não é formada pelo vácuo, pela negação da caixinha (como pensar fora da girafa não significa nada, já que um relógio é uma "não-girafa" tanto quanto uma mancha de café ou um desenho de uma estrela também não são girafas), e sim pela conexão de uma caixinha com a outra e pelas relações intelectuais, afetivas, existenciais e sensoriais entre as caixinhas. E essas relações podem ser repensadas, pontos de vista podem ser modificados, agrupamentos ou divisões podem ser pensadas em relação a contextos de aplicação ou a grupos, equipes de trabalho. É daí que vem a criatividade, ou pelo menos boa parte da criatividade prática, útil, até certo ponto estratégica.
Claro que eu poderia estruturar todo esse argumento a partir de categorias kantianas, dialética hegeliana e concepções platônicas de "caixinhas ideais" e aristotélicas de "hierarquia das caixinhas", mas sinceramente? O que importa é compreender as suas "caixinhas", no seu contexto, suas perspectivas, seus pontos de vista, seus antagonistas e colaboradores e brincar mentalmente com eles, como Disney fazia, como Tesla fazia.
Que tal menos moda do discurso e um pouco mais de caixinhas autônomas e interativas?

Renato Kress

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