quinta-feira, 9 de julho de 2015

Então você pensa que estamos "involuíndo"?

Fico impressionado com a quantidade de evolucionistas aqui no facebook. Sério, gente?
Com certeza isso é culpa dos amigos sociólogos e antropólogos de vocês que não andam ajudando. Então deixa eu fazer a minha parte (e gostaria que outros colegas antropólogos ou cientistas sociais dessem uma ajuda, se quisessem, nos comentários).

Alguns toques sobre a pretensa ideia de que estamos "involuíndo":
1. A vida não é vídeo game
Calma. Respira. Não existem fases estacionárias para o "desenvolvimento humano" e ele não "tende" ao "melhor dos mundos possíveis". Quem te vende essa ideia quer te vender outra coisa depois. Na verdade geralmente são idéias permeadas pelos seguintes afetos: desespero ou apatia.

Por dois motivos: 
Desespero: desesperado você rebaixa seus critérios e compra ou aceita qualquer solução para o seu
desespero. Olha aí a técnica de venda dos caras que te dizem que "esse é o último exemplar na loja"! Tão simples quanto eficaz. É a técnica de venda mais básica que aprendi quando fui ensinar outros conteúdos a um grupo de vendedores da FIAT e da Honda, em 2005. 
Apatia: 
O segundo motivo é que a apatia tem mais ou menos o mesmo efeito. Mas politicamente é mais útil: um povo apático não se mobiliza. Politicamente quem não se mobiliza ou morreu ou está pra morrer. Então não, não caminhamos rumo à "evolução" em etapas que, uma vez transpostas, jamais voltarão. Nossos direitos adquiridos retrocederão e perderemos tudo se pararmos de lutar por eles ou se dermos eles por "garantidos". Ou lutamos pelo que queremos e acreditamos ou vamos viver culpando o mundo por um "retrocesso". É verdade. Vida é luta. 



Aceita que dói menos. Literalmente! Quando você aceita que terá de lutar você simplesmente se prepara, e lutar, como malhar e como pensar, quanto mais você faz mais fácil fica. Depois de um tempo você atinge o nível que se chama de "competência inconsciente" (o famoso "nem sei como sei") e aí tudo se torna mais fluido. Mas parar de lutar é a forma mais simples e direta de descobrir que você já perdeu a luta.

2. Darwin é ótimo, só falta as pessoas lerem ele!

Sério. "A Origem das Espécies" tem algo em torno de 450 páginas. Você lê mais do que isso por mês em colunas, bulas de remédio e artigos de revistas. Então simplesmente leia!

Lá você não vai encontrar a ideia da evolução do "mais forte", nem a do "mais inteligente", nem a do mais "malandro". Você vai encontrar uma ideia ecológica da perpetuação do mais "adaptado ao meio". Ou seja, considere o "meio" quando for analisar a "adaptação" a ele. Num meio permeado por uma cultura da corrupção, como no Senado Federal Brasileiro, a tendência (foco na palavra "tendência") é a da proliferação dos corruptos. Mas essa é uma tendência, ela não impede completamente que haja políticos honestos por lá, mas dificulta bastante.  

O que não levamos em consideração (porque nos induzem à passividade ou à reatividade) é que ao contrário dos demais seres vivos analisados por Darwin, nós, humanos, temos uma capacidade quase ilimitada de modificar o meio em que vivemos! Nós podemos operar na fórmula de trás para frente!

Se o meio é insalubre para a sobrevivência da nossa espécie, como o sistema financeiro internacional com seus FMI e Banco Mundial destruindo a vida em prol do lucro, ora, mudemos o meio! Não é porque é difícil que é impossível. Aliás, a maior parte da dificuldade nessa mudança está na crença (patrocinada por quem está bem no atual sistema) de que "é impossível".

Nos não estamos à mercê do meio, ele está à nossa mercê. E todos estamos vendo, linchamento a linchamento, egoísmo a egoísmo, violência a violência, que adaptar-nos a um meio insalubre e doente não é vantagem para ninguém. 

3. Menos pokemon, mais bom senso.

Qual o PIB do Brasil em 2014? Qual o PIB da Alemanha em 1990? Digamos que tenha sido idêntico. Ou até - mais provável - que tenhamos ultrapassado em 2014 muito do PIB alemão de 1990. Em 2014 o Brasil era igual à Alemanha? Em que sentido? O Brasil evoluiu desde a década de 1990 para chegar em 2014 e se tornar uma Alemanha? Estamos falando alemão e eu não percebi?

Crescimento da produção econômica não é "evolução" do país, nem das suas condições ou questões sociais. A seleção brasileira de 1990 faria alguma diferença contra a Alemanha de 2014? Mais do que que a Brasileira de 2014, com certeza. 

4. "Mas estamos involuíndo! Olha aí aí violência!"

Então. Chegamos no ponto que me levou a ficar 55 minutos no transport arrebentando minha cervical para escrever isso no único intervalo que terei no dia de hoje.

Involuíndo em relação a quê, cara pálida? Poucas coisas poderiam ser cientificamente quantificadas em termos de "evolução". Dentre elas a tecnologia (não a comunicação!), o transporte (não a qualidade da mobilidade) e o conhecimento sobre a saúde (não o acesso a ela!). Ou seja: desenvolver tecnologia não é "evolução".

Se estamos nos tornando mais violentos? Creio que sim, por um motivo muito simples: energia flui para onde a atenção vai. É um princípio conhecido pela maior parte dos povos tradicionais. Através do estudo do taoismo podemos ver que os chineses já sabiam disso 4 mil anos antes de Cristo, ou seja: 6,5 mil anos atrás. Todos os povos de cultura xamânica sabiam disso. Os gregos e os egípcios também sabiam. Mas o que isso quer dizer?

Quer dizer que se vivemos num mundo onde as palavras mais repetidas diariamente são "medo", "incerteza", "suspeita", "suposto", "indicio", "insegurança", "pânico", "violência" etc e obviamente direcionamos nosso foco para esses assuntos. Estamos jogando energia sobre esses temas!

Psicologicamente falando estamos potencializando o "complexo de sobrevivência" através do aumento do afeto do medo.

Simplificando: energia flui para onde a atenção vai. A atenção constantemente focada no medo vai nos levar a injetar uma carga afetiva (emocional) absurda sobre o complexo de sobrevivência, fazendo com que sejamos cada vez mais agressivos e reativos. Então sim, estamos mais violentos, intolerantes, cruéis, egoístas, sectaristas e mais burros também! Sim, porque esse estado de excitação do complexo de sobrevivência deprime nossa cognição e reduz ela a um sistema binário: "vida-morte", "bom-ruim", "fla-flu", "comunista-capitalista", "homem-mulher", "bonito-feio" etc. Desculpe o choque de realidade: o mundo é muito mais do que isso. Se você acha que não é porque está com dificuldade no seu processo de maturação antropológica, de tornar-se maduro o suficiente para conviver e aceitar a riqueza da pluralidade dos "outros" no mundo.

5. Adaptação.

Não estamos "involuíndo" queridos amigos. Estamos nos adaptando a um meio hipócrita, desumano, insensível e poluente. E estamos caindo no conto do vigário de que não há como mudar o meio. Esse mundo não foi criado por uma grande "teoria da conspiração" orquestrada por uma "classe dominante" malvada e coesa. Esse mundo é recriado, dia após dia, através do que o sociólogo alemão Max Weber chamou de "afinidades eletivas".

É bem simples, explico: Muitas pessoas com a mesma ideia divulgando ela e vivendo a crença nela. Todos focados no maior lucro possível no menor tempo necessário a qualquer custo, ou no pensamento simples "como eu posso lucrar com isso?" como resposta para qualquer acontecimento. Observe em ação: Caiu uma ponte em cima de um ônibus? "Como eu posso lucrar com isso?" O sistema nacional de saúde tem falhas? "Como eu posso lucrar com isso?" O cachorro fez algo inacreditável e eu filmei? "Como eu posso lucrar com isso?" Estou num cargo público com um salário inexplicavelmente alto e com acesso a documentos confidenciais? "Como eu posso lucrar com isso?". 

Todos focados apenas no lucro financeiro pessoal (existem outros lucros e outros ganhos também) gerando uma cultura e um meio cínico, socialmente corrosivo porque permeado de ódios e incertezas, de intolerâncias e reatividades emocionalmente carregadas e sem senso crítico. Estamos nos adaptando a esse meio. Tudo isso porque não é conveniente, para quem lucra com esse mundo como está, que nos lembremos de que somos todos capazes de alterar o meio.

Não estamos "involuíndo". Estamos nos adaptando a um meio doente, a um meio que impede a proliferação da vida. Isso tudo em nome do interesse e do lucro de poucos.

Não é sinal de saúde se adaptar a um mundo doente. É sinal de saúde e de coragem, de força de caráter e de expressão do amor à vida começarmos o movimento contrário, começarmos a adaptar o meio ao melhor de nós.

Quer se sentir menos "involuído"? (Ainda que essa ideia não faça o menor sentido). Boicote o medo, corte tudo aquilo que alimenta a segregação, a incerteza, o ódio, a insegurança. Procure formas alternativas de informação que não vivam da disseminação do medo como técnica de venda.
Nós podemos alterar o meio. E quem sabe num meio melhor não vejamos nossos netos ou os filhos deles crescendo num planeta viável?

Renato Kress

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